sábado, 19 de janeiro de 2008

Vivienne Westwood e o discurso sobre a essência

Essa semana assisti uma reportagem durante a madrugada sobre a estilista Vivienne Westwood, que criou a moda punk e revolucionou a alta costura. Atualmente ela expõe sua obra (e mais de 200 pares de sapatos criados por ela) no museu Victoria & Albert de Londres. Pra saber um pouquinho mais...
http://www2.uol.com.br/modaalmanaque/estilistas/estilistas_vivienne.htm
São várias as coisas que me chamaram a atenção nas falas dessa senhora de 63 anos, de aparência extravagante e vestuário nada convencional. Porém, o que me marcou foi um diálogo que ela teve com a neta de 10 anos. Vivienne criou um vestido ultramoderno para a neta e observou que ela não usava. Para seu desespero, a neta sempre vestia roupas muito simples e convencionais. Diante disso, a avó perguntou:
- Por que você não usa o vestido que te dei? Não gostou?
- Não é nada disso, vó. O que importa é o que você é, e não o que você veste; - observou a neta.
- E quem te disse essa bobagem???

O diálogo acaba aqui, e não é preciso dizer mais nada. Toda criança aprende na escola, com professoras muito bem intencionadas, que o importante é o que você é, e que aparência é apenas superficialidade. Lindo isso. Impossível discordar dessa afirmação que tem forte respaldo na ideologia hippie dos anos 70 (da qual fui - ? - adepta durante anos - quem me conhece há mais tempo se lembra disso). O grande problema é quando ligo a TV e vejo que a Malhação fala a mesma coisa. No folhetim das 17 horas, a mocinha é uma pobre filha da faxineira e repete o tempo todo que importante é a dignidade, os sonhos, o esforço pessoal, o talento, enfim, o que importa é o que você é e não as roupas de marca das colegas do Colégio Múltipla Escolha. Aliás, discurso idêntico ao das outras novelas de todas as outras emissoras.

Peraí. Pára tudo. O que é isso? Esse discurso lindo me parece redondo demais, convincente demais, conveniente demais... e se é conveniente, é conveniente a alguém. Por trás de todo discurso bonitinho transmitido pela mídia e pela educação tradicional está uma ideologia e essa ideologia é a da classe dominante, nunca da subalterna. Todo esse discurso repetido com veemência e de aparência incontestável (afinal, alguém duvida que o importante é a essência?) tem uma finalidade última: manter o status quo. Manter as coisas como são. Manter a imobilidade social e o controle sobre os que não detêm o poder (dentre eles, a pessoa que vos escreve). Bom, qualquer um que goste um pouco de sociologia ou tenha leitura da obra de Marx já ouviu falar algo nesse sentido.
Assim, a Malhação diz para a filha da faxineira que ela não precisa invejar ou desejar a calça de marca, pois ela é importante sendo do jeito que é. E a escola diz para os alunos que eles não precisam de lancheiras Hello Kit, nem de videogame PlayStation II. O importante é ser digno, honesto, estudioso, trabalhador (O trabalho enobrece o homem, lembra?). O resto é futilidade...

Minha cabeça dá um nó. Não discordo de nada disso, mas alguém pode me explicar por que no mundo real é o exato oposto? Na prática não importa o quanto você estude, quantos livros você leu, quão honesto e leal você é. Na prática, no dia a dia, o mundo só olha a casca.
Então, será que dá pra falar que a madame Vivienne está errada?

Um comentário:

Flávia disse...

Nem de todo errada, nem de todo certa. Beijos!